
Os Irmãos Roberto e Seu Legado
Por Fabio Memoria
Em 2011, foi lançado o documentário “Irmãos Roberto”, dirigido por Ivana Mendes e Tiago Arakllian. O filme aborda a trajetória e a relevância do escritório de arquitetura MMM Roberto, conduzido pelos irmãos Marcelo, Milton e Maurício, um dos mais importantes da era dourada do modernismo brasileiro. Esse filme teve um impacto profundo sobre minha trajetória profissional, pois, na época, eu estava iniciando minha carreira como projetista em um escritório voltado para o mercado imobiliário. Apesar de reconhecer que desenvolvíamos projetos acima da média do mercado do Rio, eu acreditava ser possível criarmos uma arquitetura ainda melhor para nossas cidades.
Já conhecia parte da produção dos Irmãos Roberto, mas o documentário me fez mergulhar mais fundo e compreender a magnitude de sua contribuição à arquitetura moderna nacional. O que mais me impressionou foi como eles conciliavam qualidade arquitetônica com os desafios práticos impostos pelo mercado, algo que eu vivenciava diariamente.
Arquitetura, por si só, é uma disciplina de complexidade multidisciplinar, que interliga arte, engenharia, urbanismo, matemática e história. Resolver uma equação com tantas variáveis já é desafiador, e, quando se adicionam restrições como programa do cliente, legislação edilícia e limitações econômicas, o desafio se torna ainda maior.
Costumo dizer que projetar uma casa para um milionário em um latifúndio é a equação menos complexa para um arquiteto. No entanto, são esses os projetos mais publicados em livros e revistas. Quando se apertam as variáveis custo e espaço, o grau de complexidade aumenta exponencialmente. Projetar uma residência de baixo orçamento em um lote mínimo com qualidade espacial é um desafio muito maior.
E a complexidade atinge seu auge quando se soma a isso a necessidade de maximização do aproveitamento do solo para otimizar o lucro e um programa comercialmente aderente à demanda do mercado. É nesse ponto que muitos projetos se perdem, sacrificando a qualidade espacial e ambiental em nome da rentabilidade.
Os Irmãos Roberto foram mestres em resolver essa equação. Suas obras demonstram um repertório riquíssimo de soluções inteligentes, que equilibram funcionalidade, conforto ambiental e uma identidade arquitetônica singular.
Um exemplo icônico é o Edifício Marquês do Herval, no Centro, que tem uma relação com o espaço público bem original. Ele oferece uma rampa curva ao pedestre, com a mesma pedra portuguesa da calçada, em direção ao subsolo, aumentando a área privativa comercial do edifício e criando um novo espaço semi-público ao bairro.

O edifício Júlio de Barros Barreto, na Praia de Botafogo é outro projeto emblemático. Este projeto compreende a localização privilegiada de vista para a baia de guanabara e utiliza a tipologia duplex para permitir que todas as unidades com vista. Seu sistema de acesso aos apartamentos em meio piso, garante não só privacidade às unidades, apesar do acesso pelo sistema de galeria externa, mas também uma espacialidade interna muito rica.


O documentário encerra com uma reflexão essencial: quando nós, especialmente o mercado imobiliário, perdeu a busca pela excelência arquitetônica? Por que edifícios com boa qualidade espacial deixaram de ser a norma?
De lá para cá, há sinais de melhoria. Incorporadores de alto padrão, estimulados por uma demanda mais exigente e pelo menor impacto do custo da obra sobre o VGV, passaram a buscar um design mais refinado. Um marco dessa mudança foi o surgimento da Idea!Zarvos, em São Paulo, que serviu de referência para outras incorporadoras no país.
Contudo, é fundamental compreender que um edifício bonito não é necessariamente um bom projeto. Arquitetura não se resume a estética, mas sim à qualidade do espaço construído. Isso envolve proporção, iluminação, ventilação, funcionalidade, relação com o espaço público, desenvolvimento do percurso dos usuários ao longo do projeto, fluidez, aproveitamento ou negação das visadas oferecidas pelo terreno, identidade e organização visual. Ainda temos um longo caminho a percorrer para integrar esses princípios ao mercado imobiliário de forma mais ampla.
Estudar o legado dos Irmãos Roberto é um excelente ponto de partida para essa evolução. Suas obras não só atendiam às demandas do mercado, mas também elevavam o padrão arquitetônico da cidade. Compreender os caminhos que eles traçaram pode nos ajudar a repensar os rumos da arquitetura contemporânea e a construir cidades mais humanas e funcionais.