Museu Judaico: fortaleza das sensações
Por: Fábio Memória (2005)
Dando corda pro “fio”, ou gancho, que deixei no artigo sobre a Casa do filme (agora tri indicado ao Oscar) “Ainda Estou Aqui” entitulado “Vazio, Memória e Arquitetura”, da necessidade de registrarmos a Memória de nossa sociedade, resolvi aproveitar a importante data dessa semana (27/1) do Dia Internacional de Lembrança do Holocausto, para reproduzir um texto que escrevi ainda quando era estudante.
No artigo sobre o filme, eu defendo que a arquitetura é uma das melhores e mais belas formas de se registrar um momento histórico de nossa sociedade e cito o projeto do Museu Judáico de Berlim. É um exemplar perfeito de como comunicar algo de forma poderosa e simbólica. Tive o privilégio de visitar Berlim enquanto estava fazendo intercâmbio na faculdade de arquitetura do Porto (PT) e fiquei encantado com a cidade. Nessa época escrevi meu primeiro artigo “Janelas de Berlim” onde faço um paralelo entre a arquitetura da cidade e a história, que chegou a ser reproduzido pela revista de arquitetura “escala”, na época.
Mas nenhum edifício me marcou tanto como o Museu Judáico, que recebeu um texto individualizado só para descrever o sentimento de visitá-lo, que reproduzo agora:
“Já no seu exterior, o MUSEU JUDAICO em BERLIM se diferencia das demais construções. Na sua fachada metálica, com poucas fenestrações, nos remete a uma fortaleza, ou um cofre, que guarda algum segredo.
Uma implantação irregular que deixa o visitante curioso e intrigado.
A princípio não se vê a entrada da construção.
Percebe-se que a entrada é pelo edifício ao lado – o Museu Nacional de Berlim. Existe um óbvio simbolismo, quando atravessamos o túnel de concreto por dentro de um dos mais importantes museus alemães e que desemboca no subsolo: um clima denso.
Internamente a construção é formada por três eixos: o Eixo do holocausto, o Eixo do exílio e o Eixo da continuidade. Ao percorrer os corredores, sente-se uma ligeira dificuldade no caminhar. O piso é levemente inclinado, o que traz uma sensação desconfortável. As paredes formam ângulos diferentes entre si, causando desorientação. As aberturas estreitas produzem flashesda luz do dia, criando um clima de maior suspense.
Janelas tímidas, mas expressivas.
Ao fundo do Eixo do holocausto, surge uma grande porta metálica. Para abri-la, é necessário fazer força, pois é pesada.
Entra-se na torre do holocausto. Um local espantoso – uma sala fechada toda de concreto, com paredes enormes e um teto elevado a mais de 20 metros. Lá em cima apenas um feixe de luz, única abertura do ambiente.
O fosso do holocausto
Um silêncio ensurdecedor toma conta do lugar, qualquer sussurro cria um eco fortíssimo. Realmente não há nada a dizer. É frio, vazio e o sentimento de solidão te vem. Tento descrever da maneira mais detalhada e profunda possível, mas nem fotos, nem textos conseguiriam captar a atmosfera daquele espaço e daquele silêncio, onde o feixe de luz lhe é um feixe de esperança ou saída.
O Eixo do exílio é formado por outro corredor, agora menor e com a mesma porta metálica pesada. Ao entrarmos, deparamos com um jardim de concreto.
Vista externa do jardim do exílio.
Prismas com bases quadradas, compridas e inclinadas, formam um quadriculado de pequenas torres. No topo de cada um, vegetação. Um espaço curioso, aberto, onde se escuta o som das ruas, das pessoas que passam por perto. O percorrer entre essas pequenas torres de concreto também conduz a uma outra sensação: paz, alívio.
O Eixo da continuidade é o maior deles. Uma escadaria enorme apresenta o ambiente. Quando se começa a subir, percebem-se vigas de concreto, inclinadas, que rasgam o corredor transversalmente, como se furassem de um lado ao outro a pele do museu.
Corredor com grandes vigas atravessadas.
A escadaria possui três patamares, cada um com uma sala, sendo a primeira a mais impressionante: um espaço fechado, com o pé direito alto, uma clarabóia que o ilumina levemente. No piso, um mar de peças redondas de ferro e em cada uma delas, um rosto esculpido.
Um arrepio toma conta do visitante. Percebe-se então que foram feitas uma por uma, pois não são idênticas. Este mar de rostos de ferro enferrujados lembra um pesadelo, fornecendo a última das sensações do museu: dor.
Depois da visita ao museu, as inúmeras sensaçõesque ele me trouxe não saíam da memória. Cada edificação que visitava em Berlim era deslumbrante, mas nenhuma me trouxe tanta emoção. Sua arquitetura fala. Simboliza muita coisa. O primeiro texto que existe no museu é sobre o arquiteto autor do projeto: DANIEL LIBESKIND que é judeu e filho de judeus, mortos durante o holocausto. Ele venceu um concurso entre 165 arquitetos. Não foi à toa. Berlim conseguiu costurar uma ferida, mas deixando a cicatriz à mostra, para que novas gerações não esqueçam.”